segunda-feira, 31 de maio de 2010

O olho da rua

Eis aqui nosso futuro partido alto:

O olho da rua que me policia
me inibe a conduta
me deixa cismado
ele me escurraça
me cospe, me xinga
ele que me joga dentro do quadrado

O olho da rua é minha morada 3x
me chama, me enlaça, me atrai me condena
o olho da rua meu tudo meu nada

O olho da rua é um ralo seco
colírio nenhum me dissolve essa mágoa
o olho da rua me dá pão e circo
mas eu me resolvo é mesmo na cachaça

O olho da rua é minha morada 3x
me chama, me enlaça, me atrai me condena
o olho da rua meu tudo meu nada

o olho da rua que eu vejo de dia
me bota na fila dos desempregados
o olho da rua me fita de noite
me faz tropeçar na dureza do asfalto

O olho da rua é minha morada 3x
me chama, me enlaça, me atrai me condena
o olho da rua meu tudo meu nada

O olho da rua é minha penitência
se põe a travar toda minha eloqüencia
o olho da rua é a inquisição
me pega de noite de B.O. na mão

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Desejoalento

Mais um desejo se vai
mais uma noite termina
a fina garoa cai
um cinzento arranha-céu,
se perde no cinza do céu, e na neblina
E mais um desejo dobra a esquina

Uma ponta de agonia me espeta
e da ilusão me desperta
Tenho novamente os pés no chão
Antes os pés do que a cara

Mas tenho os olhos fixos no meu desejo
que se vai

E na cinza manhã de domingo
se esvai

Uma dose de amargura
desce goela abaixo
Busco abrigo na solidária solidão
repouso na cama do desalento,
sonho desatinos
E um desejo segue seu destino

Gabriel Rocha

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Religare


ventríloquo demiúrgo
goza às gargalhadas
o pão e circo encenado
o caótico trafegar dos carros
o ritmo engasgado das roldanas fabris
a dinâmica dos hackers a propor a entropia
as roletas do abismo a engolir os dados
a maquina de lavar abarrotada
lembrou, um dia, o começo de tudo:
força centrífuga
quasar a explodir tua unidade
a mente delirótica, deletéria, deambulante
desejando ardentemente
arrebentar os miolos na parede do acaso.
força centrípeta
latência possessiva
a desnudar tua existência
desejo do reencontro
busca de uma unidade esmigalhada
avante ao verso e à qualquer esboço de lamúrio
introjetar o microprocessador no macromultiprocessador
o grande liquidificador ensangüentado
a triturar bilhões de almas
religar as migalhas
esparsas nos balés das trevas
religar-se às trompas maternas da sabedoria
na doce desgraça chamada existir

macalé

à Mia

"O acaso é o melhor caso" Deego

...torrente estrondosa de amor e caos
tal como os arcos da lira de Orfeu
distorcendo em dedos lépidos
são as louras volutas
desmanchando em tez morena
e a chuva a banhar dois corpos num só
divina fusão
proferida em severa tempestade
fusão engenhosa
embalada por mãos de guri
fusão insana
encarnecida e transcendente
à qualquer tipo de expressão
grafada, falada, vista ou ouvida
fusão violenta de dois índios
brincando na chuva
e zombando do trovejante São Pedro
fusão de saborosos dervixes
a girar fulgurosos no asfalto
labaredas atômicas do amor
atiradas de pétalas abertas
frente ao majestoso Deus da chuva e da morte...

Macalé